Greve de PM da Bahia – Um ponto de vista interno

 

Estou começando a ficar um tanto cansado de ouvir o festival de besteiras que andam escrevendo sobre a tal ‘greve da PM’ da Bahia. Curioso que são aquelas pessoas que mais distantes se encontram que tendem a escrever tais absurdos. Talvez por falta de conhecimento de caso. Assim sendo, vamos tentar elucidar os eventos para os que se perderam no caminho.

Ao redor de julho de 2001, o líder da ASPRA (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares), após más sucedidas tentativas de negociação com o governo baiano[1] – então baixo a gestão de César Borges (PFL) – decide anunciar greve geral da PM-BA.

Na época, eu trabalhava em uma empresa de consultoria e tinha uma reunião em um lugar chamado ‘Campo da Pólvora’. Não dos mais tranqüilos, mas nada que um pouco de zelo não resolvesse. Nossa reunião foi cancelada no meio e o presidente da associação com a qual conversávamos foi basicamente arrastado da sala e ‘evacuado’ da região. A situação já saia do controle. Jamais havia visto a cidade em tamanho pânico, as imagens de pessoas com paus e pedras nas ruas, protegendo-se ou simplesmente se aproveitando da situação ficou na minha mente. Celulares não funcionavam, linhas congestionadas. Os engarrafamentos eram monstruosos, pessoas desesperadas na rua querendo voltar pra casa sem poder, boatos de arrastões, assaltos, etc. O caos estava formado, e a noção clara de impunidade dava mais asas àqueles com instintos selvagens para agir.

Diante do sentimento de impunidade, a selvageria passou a tomar conta da cidade. O medo acabava por ficar em cima daquela tênue linha entre ‘ferramenta de segurança’ e ‘ataque’? Lembrava-me de ‘O mal estar da civilização’ de Freud, onde ele afirmava que possuímos como indivíduos, desejos de buscas à liberdade e acabamos, às vezes, por liberar nossos instintos mais primitivos e selvagens quando não estamos submetidos a forças de coerção social. É o indivíduo versus a comunidade, a civilização! (os Freudianos que me perdoem a tosca elaboração do livro)

Enfim, houve intervenção federal nas ruas de Salvador. A greve foi contida e o líder grevista expulso da corporação. O governo estadual ficou manchado, líderes da oposição foram à imprensa defender o direito dos grevistas de… fazer greve. Quem foram alguns destes líderes? Jacques Wagner, Lídice da Matta, dentre outros. Na realidade, tratava-se do direito de causar caos e disseminar pânico na sociedade que juraram defender, rompendo as suas próprias ordens hierárquicas e códigos de conduta da corporação

Todo ano a polícia ameaça entrar em greve. SEMPRE próximo do carnaval. Uma forma de pressionar o Governador a responder às suas reivindicações. Acabava sempre sendo blefe. Não diferente, o ano começa e essas mesmas ameaças são notícia de novo.

Houve convocação de assembléias, com a derradeira marcada para o dia 31 de janeiro. Tratava0se de uma Assembléia geral da ASPRA, onde se decidiria se entrariam em greve ou não. O líder da ASPRA? Marcos Prisco, aquele mesmo que foi o líder de 2001, expulso da corporação, etc. Um detalhe importante neste caso: dia 30 sua Excelência o Governador da Bahia decidiu acompanhar a comitiva presidencial em uma visita a Cuba. O resto já se sabe.

Aconteceu a greve! Casos extremos de intimidação da população ocorreram por toda a cidade. Homens armados, em motos, pararam ônibus e exigiram que todos descessem. Mandaram que os motoristas os cruzassem em importantes avenidas da cidade, levaram as chaves, e em alguns casos atiraram nos pneus. Travaram uma avenida onde trafega mais de 35.000 veiculos/dia.

Em bairros mais pobres saíram atirando para o alto, exigindo que o comércio todo fechasse. Na noite anterior, cinco agências bancárias foram alvejadas de tiros. Nada foi roubado. Aparentemente ladrões agora gostam de jogar balas fora… Ainda não haviam acontecido os saques (apesar dos boatos). Mas o pânico já tomava conta da cidade, as ruas vazias, comércio fechando cedo, e o que não aconteceu com força em 2001 acontecia agora: homicídios.

Alguns grupos de direitos humanos contam ter ouvido casos (reportados também pela imprensa local e testemunhas) de moradores de rua assassinados. Pessoas morriam em trocas de tiro, queima de arquivo, etc. Hoje, fala-se que o número, já absurdo (94), é bastante superior ao registrado.

Isso tudo muito mais notadamente em regiões já perigosas e dominadas por traficantes, ou bairros pobres. Já não mais se sabia quem eram os marginais, ou os PM em greve (que tentavam agora, supostamente, esconder a cara). A dúvida sobre de que lado vem o tiro é cruel (polícia causando tumulto ou ladrão querendo lucrar), e custa caro o cerceamento de nossa liberdade primaz de ir e vir. Mas isso aconteceu, e em tempos de paz!!!

Apenas com a chegada do exército e uso dos Fuzileiros navais as pessoas começaram a circular mais nas ruas. Entretanto, entendo que não é um contingente de 2.000 homens de forças especiais (com mais quase 1.000 a caminho) que irão conseguir policiar uma cidade do tamanho de Salvador. Com a intervenção federal, o comando passou automaticamente para o General Comandante da 6ª região militar. As forças policiais (e mesmo o secretario de segurança e governador) perdem a autoridade. Isso para explicar o deslocamento de armamento pesado para Salvador. Urutus (não confundir com tanques de guerra, SÃO DIFERENTES), caminhões de transporte, helicópteros de vigilância, etc. Alguém aí conhece outra forma das forças armadas (em especial tropas de elite como a Brigada de Infantaria Paraquedista) trabalharem? Seria, no mínimo, insensato acreditar que eles viessem a utilizar os equipamentos da PM já existentes. É desconhecer a logística de uma operação militar.

A atual greve foi, desde o começo, julgada ilegal pelo poder judiciário. Os PMs insistiram e burlaram o poder judiciário. Aqueles mesmos policiais que usam a força para fazer valer ordens judiciais, desocupar locais públicos, começaram a infringir a lei e exigir seus direitos [humanos] de lutar, defender-se e expressar-se. A coisa saiu do controle já há muito. Há falta de bom senso dos dois lados, mas tenho que concordar com uma posição do governo: não negociar com terroristas!

Nessa história toda, quem se preocupou com os direitos humanos daqueles pobres coitados que vivem nas ruas, e não tem onde se esconder, em quem se amparar. Aquela senhora que perdeu o filho? Ou a mãe que, amamentando, morreu deixando um bebe de colo? Pessoas que não tinham nada a ver com nada, apenas estavam no lugar errado, na hora errada. O direito de buscar melhores condições de trabalho e de vida é universal, mas e o que acontece quando essa luta começa a ir de encontro com a liberdade dos demais, limita a cidadania e faz com que toda uma cidade entre em pânico coletivo? Há algo de podre no reino da Bahia…


[1] Atenção, a forma correta de designar aqueles que nascem na Bahia é: BAIANOS. A variação BAHIANOS é errada.

Author: Leo Teles

Advisor to the President of CDL Salvador (Chamber of Retail Leaders of Salvador, Bahia, Brazil)

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