G20 em Londres – Abril 2009

(Obs.: Texto completo mais abaixo)

Clique aqui para ler meu iReport para a CNN (com as fotos que foram ao ar no mundo todo) sobre os protestos do G20 em Londres.

Veja todas as fotos no Flickriver (fundo negro e mais facil de ver):

Assista tambem um video que fiz com algumas das minhas fotos selecionadas. De fundo, ponho ‘The Ballad of Mack the knife’ de Brecht e Weill. Quem conhece a historia do musical (The Threepenny Opera) entede a razao da minha escolha. A musica foi imortalizada por Louis Armstrong em uma versao ligeiramente mais simples.

Video aqui:

Protestos contra a reuniao do G20 em Londres – Abril 2009

Depois com mais calma ponho as fotos a que faco referencia no seu devido lugar no texto.

Oh, the shark has pretty teeth dear

And he shows em, pearly white

Just a jack knife has macheath dear

And he keeps it way out of sight

When that shark bites with his teeth, dear

Scarlet billows begin to spread

Fancy gloves though has macheath dear

So theres never, never a trace of red

Mack the Knife – Brecht/Weill (versão de Frank Sinatra)

Estivesse vivo, Brecht certamente teria sentido um enorme deja vu com os acontecimentos em Londres dos últimos dias. Pensaria: a vida imita a arte. Aliás, sem precisar ir tão longe, talvez aqueles que participaram em ‘maio de ‘68’ e nos protestos dos anos ‘70 pensem igual.

Diferentemente daqueles, entretanto, nunca vi tanta gente perdida e sem saber a real razão de estarem protestando. Muitos estavam ali por conta de um acúmulo de situações, de muitos sapos engolidos, por banqueiros arrogantes e gananciosos que foram o estopim disso tudo. Queriam pedir justiça a sua maneira. Outros, entretanto, parece que estavam para a farra, musica, drogas e diversão.

Os protestos começaram hoje por volta das 11 da manhã, mas só cheguei às 12:30 na região da ‘City’. Tive que descer na estação de Moorgate e ir andando até a área do Bank of England, já que Bank havia sido fechada pela policia. Saindo da estação, deparo já com um enorme contingente policial, uma estrutura fabulosa armada pela Scotland Yard e City Police para tentar conter a violência.

Segui andando para a região do protesto – a área diante do BoE, aonde fica a estatua do Duque de Wellington. Impossível de chegar, a polícia já havia bloqueado todas as vias de acesso em uma tentativa de pressionar os manifestantes e contê-los em uma única área – técnica que parece que funcionou a bem da verdade.

Fico de longe tirando fotos e observando as movimentações, ouvindo os gritos. Tinha todo tipo de gente passando: fotógrafos amadores como eu, profissionais de rodo (que nos humilhavam com seus equipamentos espetaculares e lentes que tinham a dimensão do meu braço), banqueiros querendo saber como poderiam entrar nos seus prédios (deveriam estar loucos), entre outros. Subo em um bloco de concreto de uma zona em construção para tirar umas fotos (ver fotos mais antigas – primeiras tiradas) e logo saio andando para outra área de onde poderia ver de perto o que estava realmente acontecendo.

Cruzando King Street, deparo-me com umas cenas cômicas, ou tragicômicas como prefiram. Alguns banqueiros desavisados que resolveram ir trabalhar de terno, e saíram para comprar seus almoços, ao perceberem a confusão nas ruas voltavam desesperados correndo para a ‘proteção’ dos seus prédios. Nem olhavam para trás. Lembro que na hora até pensei que se tratava de um certo exagero, até que cheguei em casa e ao verificar as mensagens que recebi via twitter, vejo uma de Professor Danny Quah (os economistas sabem quem é) comentando que foi agredido por alguns manifestantes perto da LSE.

Realmente as coisas não estavam tão calmas como pensei. Bem, segui na minha loucura, pouco bom senso ou talvez apenas necessidade de registrar com fotos, para o centro da algazarra. O que encontro? OUTRO bloqueio policial. Tal qual eu havia afirmado ontem, a técnica que a MET estava utilizando era acurralar a todos em uma única região para evitar que a violência de dissemine. Fico próximo dos ‘armários’ da polícia – com suas vestimentas de choque – esperando ver o que acontece e a hora de entrar. Foi quando a coisa começou.

Algo, ainda não tenho certo o que, começou a esquentar do lado de dentro e, quando menos esperávamos o cordão foi rompido. O empurra-empurra foi geral (que me fez, por sinal, perder contato com a loirinha linda com quem estava conversando – malditos antiglobalização). Muitos caíram e surgiu gente sabe Deus de onde. O cheiro de maconha/skunk e haxixe vindos de dentro da zona eram fortes (verificar fotos de um garoto sentado em um farol de transito). Aproveito a oportunidade assim que me recomponho para entrar.

Mas foi que a polícia resolveu nos prender dentro, de novo. E quando percebo, vejo-me preso em uma área gigantesca com os mais diversos bichos-grilo da região. Tinha de tudo que é tipo: punk, hippie (que se dividiam em hippie chic,hippie tradicional,hippie avesso a água,etc), patricinhas protestando com bolsa Louis Vuitton, muita bebida, celulares, musica eletronica, drag Queens, enfim de tudo.

O grafite era geral. No chão, nas paredes, nas estátuas. Todo o canto que era possível eles haviam chegado com a frase: as ruas são nossas (soa criativamente novo, verdade?). Faixas preconizando o fim dos banqueiros – e até mesmo uma manequim representando um enforcado -, contra consumidores. Até uma faixa, supostamente da associação de engenheiros e arquitetos que exigia uma averiguação dos atentados ao WTC (????).

Sejam aqueles realmente representantes da associação de engenheiros e arquitetos do Reino Unido, não recomendo a ninguém entrar em prédios elevados por aqui com menos de 20 anos. Eram uns senhores charmosos e elegantes. Um parecia recém fugido de uma clínica de desintoxicação de LSD e skunk e ainda tentava entender aonde raios estava. Outro arriscava uns passos na música eletronica que certamente tinha a idade de sua filha mais velha (ah, e ele seguia com um curioso bastão de madeira na mão, talvez caído de alguma obra sua ou para atacar a quem fosse). O terceiro? Este mais parecia um marginal, escondendo a cara detrás de uma máscara o tempo todo e olhando sorrateiramente para quem quer que fosse. Como se algum de nós tivesse medo de olhar feio.

Aliás, a quantidade de pessoas utilizando máscaras foi impressionante. Consegui registrar alguns casos com efeito mais impactante e as fotos podem ser visualizadas lá no Flickr. Mascaras, entretanto, não foram a única forma de disfarce do circo-protestante do BoE. Alguns foram mais criativos e tentaram utilizar uma forma de protesto mais divertida e elegante – que gerou uma quantidade impressionante de fotos. Vestiram-se como típicos campesinos, observando toda a balacubaca, enquanto saboreando o seu tradicional chá – servido em uma tradicional xícara (ver fotos no Flickr).

Resolvo sair, queria ir ao palácio de Buckingham para ver a chegada dos todo poderosos, que tinham marcado um chá com a rainha. O que descubro? O cordão de isolamento da polícia persiste. Estamos presos e ninguém sabe dizer NADA. ‘Está tudo cercado?’, ‘Não sei dizer, senhor. Desculpe’. ‘Quando vocês vão liberar a passagem?’. ‘Não sabemos, as ordens vêm do centro de controle da Scotland Yard’.

Fantástico, tenho que esperar. Ao menos essa espera rendeu umas boas fotos curiosas. Um manifestante vestido como uma espécie de Punk/Heavy Metal, cobrindo a cara e com um celular transmitindo depois a foto pela internet. Ah, a garota que estava com ele com duas câmeras Canon que custam ao redor de 1500 libras/cada (fora as lentes que eram mais caras que as câmeras).

Quando penso que já havia visto de tudo, eis que surge recém chegado de um vortex aberto na dimensão espaço-tempo um druida. Um celta, ou seja lá o que lhe passava pela cabeça. Carregava um cetro de madeira (vide foto) com uma bola de cristal dentro. Dizia que iria ajudar a situação do mundo. Torçamos para que Tio Merlin esteja certo.

Consigo achar um buraco (vantagens de se conhecer bem a região) que a polícia havia esquecido de bloquear. Foi só eu passar que em questão de 5 minutos veio um pelotão de choque para fechar a área. Pura sorte, em especial pelo de que a fome já corroia meu estomago.

Sigo para Buckingham, para uma paz e tranqüilidade impressionantes. Podia-se ouvir até os patos (literalmente, porque os ouvimos voando). A segurança redobrada, com atiradores de elite no telhado, policiais e serviço secreto em tudo que é canto. A Obama-mania se manifestava ali em cada canto. A imensa maioria das pessoas presentes nada mais queriam ver o presidente Obama e sua ‘entourage’ fantástica.

Muitos americanos, que diziam talvez ser mais fácil vê-lo assim em viagem do que em Washington. A impressão que tive, entretanto, era que ele estava de viagem para Kabul, tamanha era a segurança ao redor dele. Eram dois Land Rovers diante e dois detrás com 4 ‘ármarios’ cada um deles armado até os dentes (janelas abertas e apontando armas automaticas ao solo – claro que com exceção do motorista, não sejamos tolos), mais uns tantos carros acompanhando, cuja função não tive muito claro. A limusine é impressionante e realmente impõe.

A associação direta que nossas mentes fazem é a de um relato de um imperador romano entrando em uma região conquistada. Faz falta alguém ao seu lado para lembrar-lhe: ‘memento mori Obama, memento mori’. Talvez Michele o faça, não sei.

Os demais presidentes, à exceção do da Russia que chegou com forte segurança também, chegaram de maneira discreta. Sarkozy muito simpático acenando para todos. A Presidente Cristina, só foi notada porque trazia ao seu lado seu marido falando ao celular cujo o nariz o delatava mesmo `a distancia. Lula chegou sério e compenetrado (ou então se perguntava: que roubada, um chá com a rainha e nem inglês falo), sequer virou para ver a multidão de dentro do seu Jaguar.

Interessante observar o impacto que Obama ainda tem nas pessoas. A quantidade de simpatizantes levando camisetas, bonés e pôsteres com imagens suas era grande. Todos queriam vê-lo (eu na verdade queria ver mais o carro, mas também estava curioso), tanto que quando ele deixou o palácio em direção ao jantar em Downing Street, todos deixaram a região. Pouco se importavam com quem mais faltava: ‘memento mori’.

A verdade é que foi tudo muito menos violento do que se esperava. Houve violência, depredaram o prédio do RBS, muitos policiais feridos (ao menos um gravemente), uma pessoa morreu atingida aparentemente por acidente.

Uma experiência interessante que passei foi essa coisa de transmitir ao vivo através de mensagem do celular que acaba na minha página do twitter. Estava curioso para entender melhor essa ferramenta, e para minha surpresa vi que havia muita gente me seguindo, assim como havia também repórteres da Sky e CNN nas ruas realizando o mesmo que eu. Sinais dos novos tempos, ainda mais pelo fato de as mensagens serem gratuitas.

Uma olhada geral nos eventos de hoje fez com que eu invariavelmente me lembre da letra de Brecht. Em sua ‘Threepenny Opera’ ele narra a história de um anti-herói Macheath. Macheath atua de maneira sorrateira, utiliza-se do sistema para enriquecer e no caminho deixa uns tantos mortos, outros tantos caídos. Sua arma ele a mantém escondida, e suas luvas e roupas sempre impecáveis não denunciam suas atividades ilegais.

Macheath atuava em uma Londres que na época era o centro financeiro europeu (do mundo diria), cometeu seu primeiro assassinato na Strand – que tinha uma suprema importância na época. Era essa uma forma que Brecht achou de fazer a sua crítica ao capitalismo e mostrar algo de sua inclinação marxista ideológica.

Talvez estes que protestam hoje vejam o mundo da mesma forma, talvez os banqueiros sejam os novos Macheath. Talvez não haja sentido nestes protestos e eles não passem de explosão incoerente de raiva. O fato é que muitos sentimos falta de uma crítica social mais elaborada, tal qual fazia o velho Brecht. A grande maioria dos protestos foi patética, e a violência desprezível. Esperemos para ver o que acontecerá amanha. Quero ver se conseguirão levar o tal do iceberg, ao menos algo diferente e mais representativo.

Author: Leo Teles

Advisor to the President of CDL Salvador (Chamber of Retail Leaders of Salvador, Bahia, Brazil)

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